Viver viajando é pra mim?

“Todo mundo deveria viajar, mas viver viajando não é pra todo mundo”, normalmente é o que respondo ao primeiro questionamento das pessoas que me perguntam como tem sido viver os últimos 5 anos da minha vida trabalhando remoto enquanto dou uma volta ao mundo. 

As fotos nas redes sociais e os textos inspiradores fazem brilhar os olhos das pessoas que seguem a mim, e a outros criadores de conteúdo do nicho de viagens, gerando dúvidas sobre como é possível levar uma vida assim, de cara idealizada como perfeita. 

Afinal, quem não quer viajar mundo afora?

Ao longo da pandemia, muitas pessoas se deram conta que poderiam exercer suas profissões de maneira remota, e mesmo passando pelos devidos recortes de privilégios referentes a raça, orientação sexual, e gênero, a possibilidade de trabalhar apenas com o computador, sem que haja necessidade de ir ao escritório, se tornou acessível a muito mais pessoas e bem-aceita por diversos mercados.

Com um trabalho que proporciona uma fonte de renda com menos, ou sem, limitações geográficas, a porta de casa encara o jovem PJ que sempre sonhou em viajar e pergunta “Vai sair ou vai ficar?”. 

É aí que moram as dúvidas mais traiçoeiras na hora de decidir se deve viver viajando em tempo integral como nômade digital, quem sabe tirar um ano sabático para fazer aquela longa viagem que você tanto sonhou, ou até mesmo só ficar em casa, afinal, o seu trabalho remoto atual te proporciona uma melhor qualidade de vida e está te permitindo investir em uma rotina que você gosta mais.

Definitivamente é ótimo ter um leque de opções que vai além do dever de cumprir 8 horas de trabalho no mesmo escritório todos os dias, mas será mesmo que viver viajando é a solução que você está buscando?

Os tipos de viagem

Obviamente, eu amo viajar. Amo conhecer novas culturas, fazer novos amigos, e estar em constante contato com o desconhecido. Ao longo dos últimos 5 anos estive em dezenas de países, construindo memórias, e vivendo experiências que moldaram quem eu, e meu trabalho, somos hoje. 

Lindinho, né? Poderia ser uma legenda para um post no Instagram.

Nada disso é mentira, mas ao refletir se uma vida do tipo é pra você, é importante lembrar que muito do que as referências sobre o mundo das viagens expõem em suas redes sociais é um recorte da realidade, e um filtro de quem somos e do que vivenciamos.

Tanto desejo por uma vida viajando, muitas vezes, vem acompanhado de uma onda de euforia e romantização de um estilo de vida que exige fazer escolhas e concessões, como qualquer outro. 

Viajar, talvez por um longo período, de maneira genuína, deixar-se ser guiado pela própria curiosidade, quebrar preconceitos, conseguir enxergar novos lugares como lares e não apenas destinos, tudo isso culmina no autoconhecimento que uma experiência fora da sua zona de conforto te oferece. Aqui podemos concordar. 

Tirar um período sabático é um privilégio, que pode exigir muito planejamento financeiro e novos desafios para quem não está acostumado ao movimento constante, mas que uma vez colocado em prática, proporciona um olhar diferente do mundo ao redor, nos torna adaptáveis, dá espaço para se conhecer melhor e desenvolver novas habilidades, nos permite operar o cotidiano de maneira mais plural e empática, mesmo depois do fim da viagem. 

Viver viajando proporciona um estilo de vida que goza de vantagens similares às de uma viagem com data pra acabar, mas com algumas concessões a mais que devem ser feitas pela moeda de maior valor do mundo: o tempo.

O tempo que vai te permitir continuar a viagem, o tempo que você vai se dedicar para ganhar dinheiro e se manter, o tempo que você vai ter que abdicar de estar próximo da família e amigos, o tempo que nunca vai parecer suficiente.

Não me leve a mal, viver viajando é a vida que eu amo, é a vida que eu escolhi, mas também se tornou a vida que eu aprendi a manejar, e que hoje enxergo com normalidade. A falta de rotina é minha rotina, o cansaço de mudar completamente de vida e começar tudo do zero a cada poucos meses é uma realidade, os olhos se impressionam menos facilmente. No final das contas, as responsabilidades são diferentes, nem menos importantes, ou menos difíceis, que as de uma pessoa que vive em um lugar só. Apenas diferentes.

O que levar em consideração?

É necessário refletir e buscar entender o que é importante para si mesmo no momento que você está vivendo. Talvez tudo que você precise agora seja respirar novos ares, adquirir novos conhecimentos, e descobrir novas versões de si mundo afora. 

Talvez não seja mais isso que eu, que viajo há 5 anos, queira amanhã. 

Sermos honestos com nossos objetivos e críticos em relação às influências que recebemos ao termos contato com referências que estão vivendo aquilo que gostaríamos de viver, é essencial para dar o primeiro passo em tirar sua viagem do papel, seja ela com, ou sem data pra acabar. Por vezes, não ter clareza do que se quer, ou de qual decisão tomar, pode ser a resposta que você esteja procurando para uma pergunta tão grande, mas propôr a si mesmo uma reflexão livre de romantização é crucial para uma tomada de decisão que pode mudar uma vida.

Enquanto pessoas que gerenciam bem suas vidas dotadas de rotinas, que têm o privilégio de se propor ao questionamento de dever, ou não, fazer uma viagem longa, ou quem sabe “largar tudo” e fazer do mundo suas casas, indivíduos que por natureza não se encaixam em padrões convencionais de rotina em um só lugar muitas vezes não tem a oportunidade, privilégio, ou referências para cogitar a possibilidade de viver uma vida em movimento.

Por muitos de nós vivermos em contexto culturais e políticos onde o sucesso é associado à tradicional receita do ‘estudar, trabalhar, se aposentar’, qualquer opção que não vá de acordo com essas etapas são julgadas e entram em rótulos pejorativos associados ao fracasso.

Assim, à medida que mais pessoas exploram a possibilidade de viver uma vida em movimento, a sociedade como um todo começa a questionar e reavaliar seus próprios conceitos de sucesso. Talvez, em um futuro não muito distante, o julgamento e os rótulos pejorativos associados ao “fracasso” se tornem relíquias do passado, dando lugar a uma compreensão mais profunda de que a verdadeira riqueza está na diversidade de experiências e na busca de uma vida autêntica e significativa, onde quer que ela nos leve, em movimento, ou não.