
Assim como outras minorias, membros da comunidade LGBTQIA+ enfrentam discriminação global. A Human Rights Watch relata que atualmente 63 países possuem leis que restringem as liberdades individuais de indivíduos LGBTQIA+. A luta por direitos é uma realidade para a comunidade em escala internacional.
Na minha recente ida ao Iraque, assim como nas minhas demais idas ao Oriente Médio, recebi inúmeras mensagens de seguidores que questionavam a hospitalidade e carinho da cultura local e das pessoas que cruzavam meu caminho, com a ideia formada de que nada daquele afeto e carinho com um estrangeiro deveria ser levado em consideração, pois supostamente se trata de um país conservador, onde minorias vivem sob constante discriminação e exclusão na sociedade, e fraternizar com tais pessoas seria hipocrisia da minha parte por me considerar uma pessoa contra qualquer tipo de intolerância.
É verdade que muitos países no Oriente Médio possuem culturas profundamente enraizadas em tradições e princípios religiosos. No entanto, ao explorar mais a fundo esse tema, é crucial compreender que a realidade não é tão literal ou generalizada. Viver em uma sociedade conservadora não implica necessariamente que todas as pessoas partilhem dessas visões, e tampouco significa que as minorias não possam encontrar seu espaço, comunidade e formas de proteção.
Com o objetivo de aprofundar meu entendimento sobre a vida de uma pessoa iraquiana que se identifica como homossexual, convidei o jovem Youssef para uma entrevista reveladora. Durante nosso diálogo, Youssef compartilha suas experiências, fala sobre os desafios da homofobia e discute sua vida cotidiana no interior do Iraque.
Você poderia se apresentar, por favor?
Claro! Meu nome é Youssef, tenho 22 anos, e sou de Basra, Iraque.
Youssef, você recorda o momento e a forma como percebeu sua orientação sexual, quando percebeu que era gay ou que não se alinhava com a maioria?
Eu acho que por volta dos 9 anos de idade. Essa deve ser uma das minhas memórias mais antigas. Eu acho que me sentia atraído platonicamente por outros garotos da minha idade, mais especificamente por um amigo meu. Mas como eu era uma criança, eu me sentia confuso por não entender muito bem aquele sentimento de maneira geral.
Não demorou muito para que, aos 14 ou 15 anos, eu começasse a entender que eu me sentia atraído por outros meninos, e a fazer amigos que fossem como eu, mas eu ainda não conhecia ao certo a palavra ‘gay‘, ou o que ela significava pra mim. Eu lembro até hoje de quando eu estava no ensino médio, eu e meu amigo tínhamos um crush no nosso professor.
Você se assumiu para sua família? Como é a configuração do seu dia a dia como um jovem gay no Iraque?
Não, eu nunca contei para a minha família sobre a minha sexualidade. Eu não acho que eles iriam me expulsar, ou algo assim, mas acho que eles se sentiriam mal, então nunca contei.
Em relação a minha vida aqui, eu amo o Iraque, e amo minha cidade. Eu vivo minha vida normalmente, mas confesso que não reflito muito sobre ser gay aqui, para não me sentir mal, porque é difícil ser um homem gay no Iraque. Não só gays, mas qualquer um da comunidade LGBTQIA+. Se as pessoas souberem, isso pode gerar agressividade e hostilidade. Qualquer pessoa tem 100% de chances de ter um parceiro, mas em discrição.
Você adota medidas de precaução para garantir sua própria segurança?
Eu gostaria de abrir um parênteses, de que se tratando de demonstrações públicas de afeto, o conservadorismo não atinge apenas pessoas LGBTQIA+, mas também pessoas heterossexuais. No Iraque não é bem-aceito declarar publicamente um relacionamento, há não ser que seja um casamento. Nesse sentido, pessoas da comunidade LGBTQIA+ tem, levemente, um pouco mais de liberdade em público que pessoas heterossexuais não casadas. Por exemplo, se dois caras estão saindo juntos, e até dando as mãos, ou trocando carinhos, ninguém vai falar nada, pois o senso comum é de que são apenas amigos.
Em relação à minha segurança, eu diria que não preciso performar nenhum tipo de masculinidade, pois eu tenho minha rede de apoio e comunidade. Mas esse não é o caso de todas as pessoas, eu tenho um amigo que entrou em depressão por não ter uma rede de apoio ou com quem conversar sobre.
Poderia compartilhar como você conhece outras pessoas LGBTQIA+ e como construiu sua própria rede de apoio?
Por casualidade na vida, vão haver pessoas com quem eu vou me sentir mais confortável ao me abrir. Mas também conheço pessoas por aplicativos de relacionamento (Os mesmos comumente utilizados no resto do mundo). Nesse caso, nós utilizamos nomes e fotos falsas até que nos sintamos confortáveis para trocar nossos usuários nas redes sociais e podermos fazer uma pesquisa sobre um e o outro, pra ter certeza de que estamos falando com uma pessoa real, e que vai ser seguro encontrar essa pessoa na vida real.
Dentro do Iraque exige algum tipo de ativismo em favor da proteção da comunidade? Você acredita que, ao longo do tempo, a situação tende a melhorar?
Sim, mas é muito perigoso. Muitos ativistas iraquianos que moram fora do Iraque tocam no assunto, ativistas com perfis anônimos (dentro do Iraque) também, mas falar publicamente sobre a comunidade LGBTQIA+ e defendê-la é um crime aqui, então isso só levaria o ativista direto para a prisão. É isso, ou a pessoa acaba assassinada por milicianos.
Infelizmente, atualmente eu não tenho esperanças de que a situação vá mudar pra melhor. Por mais estranho que pareça, o preconceito contra pessoas da comunidade tem mais a ver com o senso comum de tradições das pessoas do que com o governo. São muitas camadas que estão interligadas. O inimigo número um para a aceitação da nossa comunidade é o tradicionalismo dos costumes, depois vem a religião e o governo. Por exemplo, no Iraque, ser transsexual é legal. Está previsto na lei que qualquer pessoa pode passar por redesignação de sexo, mudar seu nome social e tudo mais… Mas pessoas trans sofrem intolerância, assim como uma pessoa gay, por causa do tradicionalismo.
Na sua cidade e em diferentes partes do Iraque, existem espaços seguros frequentados por pessoas da comunidade LGBTQIA+?
Sim, esses espaços existem pelo país. Não são bares ou baladas, mas existem cafés e espaços públicos conhecidos por serem frequentados pelo público LGBT, onde eu me sinto mais a vontade para estar com pessoas como eu. Mas existe sim censura quanto a existência de espaços e conteúdo voltado a pessoas LGBTs, não só de espaços, como em filmes, séries, televisão, etc…

A realidade da comunidade LGBTQIA+ em países árabes é complexa, variando significativamente, mas longe de ser uniforme em todo o Oriente Médio. Este post não tem a intenção de perpetuar estereótipos ou demonizar a cultura árabe; em vez disso, busca compartilhar a experiência de uma pessoa, dentro da sua individualidade. Apesar das dificuldades enfrentadas, essa vivência muitas vezes reflete violações de direitos humanos presentes também em países considerados defensores de direitos humanos. A resistência contra o preconceito e a intolerância é uma realidade para a comunidade LGBTQIA+, seja no Iraque, na América Latina ou em qualquer país ocidental.